Portugal não está, definitivamente, em estado de graça. É isso que faz correr ainda mais um humorista?.Sim, claro. É nestes períodos que os humoristas têm ainda mais coisas para trabalhar. Já diz a história, na época da Grande Depressão norte-americana dos anos 30, começaram a surgir os espectáculos, as comédias, os grandes ícones do humor, porque as pessoas precisam de sorrir, de esquecer..Sente-se um humorista, um comediante, um actor?.Detesto a palavra humorista. Sectariza. Como diz o Jô Soares, para ser comediante é preciso primeiro ser actor. E só depois é que vem esse plus. E há os que têm e os que não têm. Mas essas definições não me interessam muito. E só a inteligentzia é que faz essas comparações. O público não faz essas distinções. Ou gosta ou não gosta..Na passada sexta-feira, a RTP estreou a segunda temporada do Estado de Graça, um programa de humor consigo, com a Ana Bola, a Maria Rueff, o Manuel Marques e o Eduardo Madeira. Surpreendeu-o o sucesso da primeira temporada e, mais do que isso, a unanimidade da crítica em relação à qualidade do projecto?.Não, até porque não havia nada igual na televisão portuguesa. O elenco é óptimo, todos nós já tínhamos feito coisas daquelas, mas agora não havia. Mas o programa é bem feito. E está ali muito trabalho, muito esforço de toda a equipa..Qual é o segredo do sucesso do Estado de Graça?.É isso que lhe disse. Não é para puxar a brasa à minha sardinha, mas é a qualidade dos actores. A comédia é para os comediantes. Definitivamente. Ver actores a tentarem ser engraçados é uma coisa que me constrange. Atenção, esperem aí, que eu agora vou fazer uma piada. Isso é péssimo. É como cantar, é um talento natural..Mas há por aí agora muitas escolas de comédia. Esse talento não seaprende?.Aprende, aperfeiçoa-se, claro, mas ou se tem esse talento, ou não vale de muito. É verdade que há muitas escolas de humor, mas só me apetece dizer à maior parte das pessoas que vai para esses cursos "por favor, não gastem dinheiro nisso"..É uma ilusão?.Completamente. Obviamente que há cursos de teatro que ajudam as pessoas. Quem tem um pouco de talento e vai para um curso, aprende a história do teatro, os grandes autores, os grandes dramaturgos..E isso é decisivo?.Claro que é. Para a prática é muito importante. Mas para comediantes é preciso ter a cabeça sempre atenta e ver tudo o que se passa à nossa volta. Porque nós apanhamos o que o comum dos mortais não apanha. O segredo está aí. Um comediante ou um actor tem de ser muito crítico..Nunca fecha o laboratório? Nem em férias?.Não, nunca. É inconsciente. Não consigo nunca desligar, mesmo em férias. Ando sempre com o Moleskine, porque tenho ideias de dez em dez minutos. Não me posso dar a esse luxo de desperdiçar as ideias que tenho. Tenho uma imaginação delirante..Sempre foi assim?.Sempre. Já as minhas professoras diziam isso. Eu lembro-me de a minha mãe repetir uma coisa que a minha professora me dizia quando eu tinha 6 anos: "Ele pode ser o que quiser, mas ele é muito distraído." Distraído para as outras pessoas é isso, é estar a absorver as outras coisas..Quase autista....Sim, como se vivesse num mundo à parte. Parece que às vezes estou em órbita. Não estou, estou apenas atento ao que me rodeia. Nesta profissão temos de absorver tudo. Desde a Casa dos Segredos a uma maravilhosa exposição no CCB. Vejo o mundo de fio a pavio..Para o sucesso de um comediante, o que é que é realmente importante?.Que o público goste de nós. Isso é fundamental. O público tem de gostar de nós..Sentiu sempre isso?.Senti desde o primeiro dia. Desde a primeira vez que pisei um palco. Acho que é porque faço com verdade. Gosto muito do que faço. Tenho 23 anos de teatro e 19 de televisão, e acho que essa verdade transparece para o público. Nunca tive uma reacção negativa na rua..E o respeito da classe artística, dos seus companheiros? Sempre o sentiu?.(pausa) Não. Mas eu não trabalho para os meus colegas, trabalho para o público. O mal de muitos projectos é que são feitos a pensar na reacção dos pares, é serem feitos para o umbigo. Isso é errado. Eu trabalho para o público. E por isso nos meus últimos dois espectáculos no teatro tive as salas sempre cheias. Quer no Paranormal quer no Mais Respeito Que Sou Tua Mãe, esgotei sempre todas as salas. Foram 200 mil espectadores. Nunca ninguém conseguiu isso..Acha que é o melhor de todos?.Mas o que é isso de ser o melhor? Eu sou filho único, sei muito bem o que é isso de ser exemplar único. Detesto exemplares únicos. Não há melhores, não há piores. Aquele é bom, o outro é bom, o outro é muito bom, e aquele outro é excepcional. São valores absolutos, não são valores relativos..Como é que o Joaquim Monchique se classificaria? Bom, muito bom, excepcional?.Não me classifico. Os outros é que têm de me classificar. Sei que sou um grande trabalhador e aguento estar 16 ou 18 horas a trabalhar. E sei que tenho capacidades para fazer o que quiser. E faria bem. Qualquer coisa..Fora da sua área?.Fora da minha área..Pensa nisso? Abandonar tudo e mudar de vida?.Todos os dias penso nisso. Todos os dias penso que estou na profissão errada. Porque esta é uma profissão em que um dia posso estar a trabalhar e noutro dia já não. E não é pelo meu talento, é por condicionantes. Ou porque um director não gosta de mim, ou porque se escolhe um amigo em detrimento de mim. A justiça é muito relativa. Hoje sou maravilhoso, amanhã posso não ser..Porque é que nunca desistiu?.Por causa do carinho do público. É ele que me segura. Ao passar por mim na rua, ao deixar-me uma mensagem nas redes sociais, ao encher as minhas salas de espectáculo. Deixam-me o ego em alta..Um ego que, por si só, já é alto....Sim, altíssimo. Um actor tem sempre o ego cheio. Quando entrevistar um actor e ele lhe disser que não tem o ego cheio, é mentira. Quem anda nesta profissão tem um ego alto. E é vaidoso. E culto..Culto?.Sim, claro, é uma constante em toda a história mundial. Os actores têm de ser cultos, têm de ter horizontes mais amplos. Têm de saber ler um texto clássico, têm de saber vestir a pele de várias personagens, seja um médico ou um servente das obras. Essa multiplicidade é muito importante..Algumas das suas mais conhecidas personagens são mulheres. Sente que é o melhor actor português a fazer de mulher?.Sinto que o público reconhece e gosta das minhas personagens femininas. Mas se vir bem sempre foi uma coisa dos nossos comediantes. De todos. Não há nenhum que não tenha feito de mulher. O Nicolau, o Vasco Santana, o Solnado. Há um lado matrafona que é engraçado num comediante..Mas as suas personagens femininas não são matrafonas. Por exemplo, em Mais Respeito Que Sou Tua Mãe, o seu último grande sucesso no teatro, faz uma mulher sofrida, na menopausa, preocupada com os filhos. Há ali um lado maternal, há ali verdade..Mas aquela mulher são as várias mulheres com quem me cruzei na vida. E o que é fantástico é que no final da peça as pessoas diziam-me que se tinham esquecido de que era um homem que estava a fazer aquela personagem. Isso é o maior elogio que se pode fazer ao actor. Significa que houve verdade naquele trabalho.